josé Pacheco, Lilian Bacich, Luciano Meira e Paulo Fochi debateram a questão em evento online da Pós Educação Unisinos
É consenso que o modelo atual de educação não atende todas as necessidades de crianças e adolescentes. Mas o que fazer para melhorar este cenário?
Quatro educadores que são referência em inovação refletiram sobre como melhorar o processo de ensino e aprendizagem no evento Reinventar a Educação: qual o papel do professor?. O encontro online foi realizado pela Pós Educação Unisinos no dia 19 de janeiro de 2022.
Ao longo do debate, os palestrantes responderam a seguinte pergunta, de acordo com suas especialidades:
Qual o papel do professor na reinvenção da Educação?
A seguir, você confere um resumo das respostas de cada um:
- José Pacheco, designer educacional e fundador da Escola da Ponte
- Luciano Meira, professor da UFPE e cofundador da Joy Street
- Lilian Bacich, cofundadora da Tríade Educacional e coordenadora de pós-graduação em Metodologias ativas no Instituto Singularidades
- Paulo Fochi, pesquisador e formador do Instituto para Inovação em Educação da Unisinos
Você também pode assistir à integra do evento Reinventar a Educação: qual o papel do professor?:
Boa leitura!
“O Brasil tem tudo o que precisa para reinventar a educação e atribuir um novo e importante papel aos professores.”
O designer educacional e fundador da Escola da Ponte, José Pacheco, foi o primeiro a falar sobre o papel do professor na reinvenção da educação.
Ele começou sua fala orientando que todo educador deve fazer 7 perguntas a si mesmo para refletir sobre o próprio trabalho:
Geralmente, as primeiras respostas que vêm à mente são o ingresso no mercado de trabalho, a escola, a prova, o livro didático... Mas elas fazem parte da estrutura que deve ser reinventada, por isso Pacheco defendeu a necessidade de uma transição paradigmática.
Atualmente, no meio educacional, existem 3 grandes paradigmas:
O educador português citou a Nova Escola como um exemplo de movimento que tentou transformar esses paradigmas. Mas, para ele, o grupo serviu mais como um chamado para a necessidade de mudar a forma como as crianças eram educadas.
A principal crítica que Pacheco fez foi ao fato de a Nova Escola manter as estruturas dos séculos 18 e 19, como a ênfase nos prédios escolares e na divisão dos estudantes por turmas.
Por isso, José Pacheco ponderou que a reinvenção da Educação só acontecerá com uma mudança cultural na sociedade. Ele ressaltou que é preciso conservar o que há de útil nos três paradigmas e combiná-los a uma nova perspectiva de aprendizagem.
Conforme a explicação do palestrante, a aprendizagem não acontece apenas centrada no ser humano, mas em um processo de relação, no vínculo de uma educação integral, que não é meramente cognitiva. Ela é emocional, estética, espiritual.
José Pacheco explicou que, neste cenário, o papel do professor é múltiplo. O educador não deve mais preparar aulas e projetos PARA os estudantes, mas construí-los COM eles. Ou seja, integrá-los ao processo de produção e aquisição de conhecimento.
Ainda, professores, pais e a sociedade como um todo devem se unir para promover a mudança cultural necessária para a reinvenção da educação.
No final de sua fala, José Pacheco listou educadores que são exemplos de inovação no Brasil e que ajudam a repensar o papel do professor:
Por causa destes educadores é que José Pacheco acredita que o Brasil tem tudo o que precisa para iniciar um processo de reinvenção da educação e redefinir o papel do professor dentro e fora da sala de aula.
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José Pacheco ficou conhecido pela coordenação do projeto "Fazer a Ponte", de 1976 a 2004, executado na Escola da Ponte, em Portugal. No Brasil, integrou o Conselho Nacional de Educação (CNE) e coordenou pesquisas no Projeto Brasília 2060.
Atualmente é coordenador pedagógico da EcoHabitare Projetos, empresa social que visa a promover uma educação conectada com necessidades sociais do século 21.
José Pacheco também é professor convidado do curso Educação Inclusiva: desafios e práticas pedagógicas da Pós Educação Unisinos.
"A Educação não vale se eu tiver só bons professores palestrantes, mas, sim, bons professores que conseguem pensar no planejamento de um novo formato”
A professora Lilian Bacich se concentrou nos desafios que a pandemia de Covid-19 trouxe aos educadores e às famílias de crianças e adolescentes, que se depararam com a urgência de adotar novos formatos de aula e adaptar processos.
Bacich apresentou 5 elementos que, combinados, contribuem para a reinvenção da educação e do papel do professor:
Antes da pandemia, já se discutia como usar de forma eficiente as novas tecnologias nas escolas. Inserir os estudantes na cultura digital, inclusive, está previsto na Base Nacional Curricular Comum (BNCC).
Entretanto, a tecnologia era vista como um recurso a mais para enriquecer uma aula, sendo subutilizada em sala. A Covid-19 e o fechamento das escolas escancararam a necessidade de explorar todo o potencial dos meios digitais na educação.
Lilian Bacich defendeu que o ambiente digital deve ser integrado aos espaços de aprendizagem, sem perder de vista o contato entre professor e estudante. A combinação entre o digital, a troca entre educador e educando e os espaços de aprendizagem geram novas oportunidades de aprendizagem.
O papel do professor deve ser repensado. Ele não é o único detentor do conhecimento, mas, sim, um dos protagonistas do processo de ensino e aprendizagem, ao lado dos estudantes.
Os processos avaliativos também precisam ser repensados, pois cada estudante tem as próprias particularidades.
Uma forma de reinventar a educação é planejar avaliações com mais equidade, a partir de um maior contato com a comunidade escolar e as famílias para entender as especificidades dos discentes.
Bacich frisou que, antes de implantar uma mudança, é preciso iniciar um processo de conscientização coletiva, para pais e estudantes entenderem o porquê de a avaliação ser feita de determinada maneira.
“Como saber se minha turma está aprendendo mesmo?”
Essa pergunta passou pela cabeça de muitos professores durante as aulas remotas. Por isso Lilian Bacich sugeriu novas formas de trabalhar o conteúdo com os estudantes que facilitam o acompanhamento do aprendizado.
Uma delas é o STEAM, acrônimo para “Science, Technology, Engineering, Arts, Mathematics”, em inglês. Ele parte de uma perspectiva interdisciplinar, ou seja, que integra o conteúdo de diferentes matérias.
A compartimentalização do conhecimento não atende mais as demandas da formação do cidadão do século 21. Ele deve ser compartilhado e construído de forma coletiva, o que é possível graças às novas tecnologias.
Lilian Bacich encerrou sua fala falando sobre a importância do planejamento na reinvenção da educação. Os professores devem prever novos formatos para trabalhar o conteúdo das disciplinas, além de incluir os estudantes como cocriadores do plano de aula.
Bacich apresentou o método do planejamento reverso como uma solução. Nesta metodologia, o educador deve primeiro pensar em quais habilidades devem ser desenvolvidas pela turma antes de definir como o conteúdo será trabalhado em aula.
O professor precisa ter em mente que o conteúdo que vai ser ensinado precisa ser usado na vida do estudante e abandonar a aula e a avaliação de caráter enciclopedista.
Com 28 anos de experiência como professora e coordenadora, Lilian Bacich é cofundadora da Tríade Educacional, consultoria voltada para a formação de professores, e coordenadora de pós-graduação em Metodologias Ativas no Instituto Singularidades.
É organizadora dos livros “Psicopedagogia: teorias da aprendizagem”, “Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação” e “Metodologias ativas para uma educação inovadora”. Também é revisora técnica da tradução do livro “Blended: Using Disruptive Innovation to Improve Schools”, de Michael Horn, e “Four dimensional education”, de Charles Fadel. Tem doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP).
Lilian Bacich é professora convidada do curso Neurociência e aprendizagem no contexto escolar da Pós Educação Unisinos.
“O centro da educação está na construção de relacionamentos afetivos e intelectuais entre estudantes e professores.”
Um dos maiores mitos da reinvenção da educação é de que ela depende de novas plataformas digitais para se concretizar.
Em sua fala, o sócio-fundador da Joy Street e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luciano Meira, propôs desmistificar essa afirmação.
Para ele, o meio educacional deveria substituir esta pergunta:
Por:
Percebeu a diferença?
O foco na primeira pergunta resultou em um arranjo social baseado em conteúdo, disciplina e certificação, que, segundo Meira, não engaja nem estudantes nem professores nas questões centrais da educação, que são:
A segunda pergunta considera a transformação digital como uma mudança cultural, e não somente tecnológica, que impacta na forma como as pessoas se relacionam. Assim, o computador e o smartphone servem como apoio para formas de relacionamento.
No meio educacional, isso significa repensar um arranjo social que seja baseado em experiências significativas, autonomia, colaboração e avaliação contínua e por competências, como explicou Luciano Meira em sua fala.
Ele ressaltou que este pensamento não é uma novidade, pois o educador John Dewey (1859-1952) já teorizava sobre a importância das experiências para a aprendizagem. Esta, aliás, é uma das grandes contribuições da cultura maker na educação.
E o papel do professor na reinvenção da educação?
Luciano Meira afirmou que o professor deve ser um mediador que dispara diálogos, ou seja, que trabalha ativamente para estimular e sustentar redes conversacionais no ambiente escolar.
Para que isso aconteça, o educador deve criar uma plataforma de afeto, um circuito de afetos em sala de aula que permite reconhecer o outro e acolhê-lo em uma rede de escuta altruísta.
Como exemplo deste princípio, o sócio-fundador da Joy Street mostrou um artigo científico de 2016, publicado no Journal of Educational Psychology da American Psychological Association (APA).
Intitulada “Creating birds of similar feathers: leveraging similarity to improve teacher–student relationships and academic achievement”, a pesquisa mostrou que o desempenho das crianças com as piores notas em uma turma aumenta consideravelmente quando o professor as conhece melhor.
Outro estudo apresentado por Luciano Meira foi o artigo “Positive teacher–student relationships go beyond the classroom, problematic ones stay inside”, publicado em 2017 na Journal of Educational Research.
O artigo demonstrou que os professores definem a qualidade do relacionamento com a turma a partir do nível de interação e não pelo nível de agência. Isso quer dizer que, para os educadores, é mais importante ter uma relação amigável do que controladora com os estudantes.
É a plataforma de afetos entrando em ação no ambiente escolar.
Luciano Meira encerrou sua participação no evento da Pós Educação Unisinos afirmando que o centro da educação deve estar na construção de relacionamentos afetivos e intelectuais entre estudantes e professores.
Luciano Meira é professor adjunto de Psicologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor colaborador do Mestrado em Design de Artefatos Digitais do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR).
Também é coordenador de Ciência e Inovação da Joy Street, empresa de tecnologias educacionais lúdicas da qual é cofundador no Porto Digital (Recife). Fellow do Lemann Center for Educational Entrepreneurship and Innovation in Brazil, na Universidade de Stanford. Tem Ph.D. em educação matemática pela University of California at Berkeley. É autor do livro "Ludicidade, Jogos Digitais e Gamificação na Aprendizagem" (2019).
Luciano Meira é professor convidado do curso Math Revolution: tendências contemporâneas em Educação Matemática da Pós Educação Unisinos.
“A inovação de hoje é a tradição da Educação Infantil”
O pesquisador e educador Paulo Fochi se baseou em sua experiência em sala de aula para refletir sobre o papel do professor na reinvenção da educação. Para ele, a inovação tão almejada no meio educacional já uma tradição na Educação Infantil.
Esse fenômeno é explicado por alguns aspectos que têm aparecido com muita força em relatórios sobre o futuro da educação, como os desenvolvidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Mas muitos destes aspectos já estão previstos no trabalho pedagógico com crianças de até 5 anos de idade, de acordo com Fochi. Confira:
Essa visão mais sistêmica já faz parte do dia a dia do professor da Educação Infantil. O principal objetivo do educador é manter a curiosidade das crianças acesa, alimentar perguntas e estimular a elaboração de explicações sobre o mundo – e não oferecer uma resposta única.
O modo como o espaço e as materialidades são organizados para permitir que as crianças entrem em contato com o mundo é um ponto estruturante da Educação Infantil. É ele que permite que meninos e meninas sejam incentivados a experimentar e formular hipóteses para solucionar demandas do entorno.
Paulo Fochi recuperou as ideias de John Dewey ao abordar a importância das brincadeiras na aprendizagem – algo que tem sido considerado uma metodologia ativa por muitos educadores, que recorrem à gamificação para engajar os estudantes.
O pesquisador sugeriu que outros níveis educacionais adotem a organização do conhecimento a partir de campos de experiência, em vez do modelo atual baseado na divisão por disciplinas.
O aprendizado para toda a vida e que acontece em todos os lugares, também chamado de lifelong learning, é um ponto frequente nos relatórios sobre a educação do futuro. Esse fenômeno fez com que a escola mudasse o foco do “ensinar” e se concentrasse no “aprender”.
O maior interesse pela aprendizagem também é uma das marcas do trabalho pedagógico na Educação Infantil, segundo Paulo Fochi.
No final de sua fala, Fochi responde à pergunta sobre o papel do professor na reinvenção da educação com a seguinte afirmação:
“A reinvenção da educação se dará em uma escola mais interessada em construir perguntas, mais interessada em estimular que a pergunta sobre a realidade seja feita, do que aquela que quer levar a todos um único caminho, uma única compreensão.”
Paulo Fochi já atuou em diversos trabalhos junto ao Ministério da Educação, dentre esses, como um dos quatro consultores para a elaboração da BNCC para a Educação Infantil.
Na Unisinos, é professor do curso de Pedagogia, professor colaborador do programa de pós-graduação, coordenador e professor do curso de especialização em Educação Infantil e pesquisador colaborador do Instituto de Inovação para a Educação.
Também é coordenador do Observatório da Cultura Infantil – OBECI, pesquisador colaborador do Contextos Integrados em Educação Infantil (USP/ CNPq), membro da Associação Criança (Braga, Portugal), membro dos Grupos de Trabalho sobre Educação de 0-3 anos e Pedagogias Participativas e Investigação Praxiológica da Associação Europeia de Pesquisa em Educação Infantil (Europen Early Childhood Education Research Association - EECERA).
Atua no assessoramento de escolas privadas além de Redes Municipais de Ensino e produções culturais e artísticas para crianças. É doutor em Educação na linha de Didática e Formação de Professores pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio doutoral na Universidad de Barcelona (Espanha).
Paulo Fochi é professor convidado do curso Docência Inovadora: educação para o século XXI da Pós Educação Unisinos.
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