Por que desenvolver a metacognição é tão importante para a aprendizagem

Postado em 10 de nov de 2023
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A neurociência explica o funcionamento do processo de ensino e aprendizagem. Uma das disciplinas que a compõem trouxe uma nova perspectiva para entender esse processo, a metacognição. 

A partir da década de 1970, a psicologia cognitiva passou a dedicar estudos inteiros a este conceito. É fundamental que todo professor tenha um conhecimento básico sobre o tema, para assim ajudar crianças e adolescentes a serem mais autônomos e aprenderem a solucionar problemas. 

A seguir, você vai conhecer os princípios da definição de metacognição e como estimular o desenvolvimento metacognitivo dos seus estudantes. 

As ideias apresentadas aqui são uma adaptação do artigo "A metacognição como estratégia reguladora da aprendizagem", das psicólogas e pesquisadoras Graciela Inchausti de Jou e Tania Mara Sperb.

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O que é metacognição

A metacognição é a capacidade de todo ser humano de monitorar e autorregular os próprios processos cognitivos, segundo o psicólogo americano John H. Flavell. Ele detalhou essa definição no clássico artigo de 1979 “Metacognition and cognitive monitoring: A new area of cognitive–developmental inquiry”.

Em outras palavras, a metacognição é a ação de pensar sobre o pensar.

Já os processos cognitivos são os recursos que todo indivíduo tem para adquirir, processar e transformar informações. Os mais básicos são: 

  • Percepção 
  • Atenção
  • Memória
  • Pensamento
  • Linguagem
  • Aprendizagem

A partir da definição de Flavell de metacognição, vemos que os processos cognitivos estão atrelados ao conceito de “self”. Aqui, consideramos “self” a capacidade de um indivíduo de ter consciência dos próprios atos e pensamentos, de ter a percepção da própria existência.

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Os modelos metacognitivos

Os modelos metacognitivos foram desenvolvidos por pesquisadores da psicologia cognitiva para entender a função autorregulatória do sistema cognitivo. 

Os mais conhecidos são o de John H. Flavell e Henry Wellman, desenvolvido entre 1979 e 1987, e o de Thomas Nelson e Louis Narens, de 1994. 

O modelo cognitivo de Flavell e Wellman

modelo-metacognitivo-flavell-wellmanModelo de metacognição de Flavell (1979, 1987), adaptado por Mayor, J., Suengas, A., & González Marqués, J. (1995). Estrategias metacognitivas: Aprender a aprender y aprender a pensar. Madrid, España: Síntesis.

Os psicólogos foram os primeiros autores a considerar a metacognição como uma área específica de pesquisa, na década de 1970. A imagem acima ilustra como se dá o processamento da informação por meio das estruturas do sistema metacognitivo: 

  • Conhecimento metacognitivo: conhecimento adquirido sobre o todo cognitivo (sua mente e características psicológicas) pelo indivíduo; 
  • Experiências metacognitivas: consciência das experiências cognitivas e afetivas que acompanham cada ação cognitiva; 
  • Objetos cognitivos: metas a serem alcançadas em cada envolvimento cognitivo;
  • Ações cognitivas: o que é preciso ser feito para alcançar cada uma das metas.

O modelo cognitivo de Nelson e Narens

modelo-metacognitivo-nelson-narensModelo de metacognição de Nelson e Narens (1996), Why investigate Metacognition?. In J. Metcalfe & A. P. Shimamura (Ed.), Metacognition. Knowing about knowing (pp. 1-27). Cambridge, MA: MIT Press.

Este modelo se concentra nos processos de monitoramento e autorregulação de um indivíduo ao destacar os seguintes elementos:

  1. Nível meta: nível de atuação metacognitiva. Cria representações mentais da realidade e consegue modificar o nível objeto a partir das informações que obtém dele;
  2. Nível objetivo: nível de atuação cognitiva. É monitorado pelo nível meta por meio da representação mental da realidade. 

A alternância entre os níveis meta e objetivo é chamada de “salto” e é ela que permite controlarmos o fluxo de informações. 

Mas o que tudo isso significa na prática? 

Pense nas aulas de matemática que você dá para sua turma. É muito comum eles dizerem “não levo jeito para isso” ou “deveria ter prestado mais atenção na matéria”. Isso mostra um conhecimento metacognitivo sobre si mesmo a partir de experiências metacognitivas anteriores – “fui mal na prova, então não tenho jeito para matemática” –, o que pode atrapalhar alcançar os objetos cognitivos – o desenvolvimento de uma alfabetização matemática –, pois há o risco de não haver motivação para realizar as ações cognitivas – exercícios e questões de matemática. 

Isso falando apenas do modelo cognitivo de Flavell e Wellman. Mas ele pode ser integrado ao esquema de Nelson e Narens. Olha só mais um exemplo de uma situação que vemos em sala de aula. 

Você passa uma lista de exercícios de matemática para sua turma. Cada estudante lê o enunciado das questões e faz uma primeira representação mental do problema, a partir dos dados e dos conhecimentos prévios.  

Eles criam um modelo de resolução da questão no nível meta e a cognição atua na troca de dados entre os diferentes níveis, até que encontrem uma solução para o problema.   

As habilidades metacognitivas

Para que sua turma consiga resolver a lista de exercícios de matemática que você passou, cada uma das crianças deve desenvolver habilidades cognitivas relacionadas à aprendizagem. 

Os pesquisadores Paul Pintrich e Elisabeth Groot, da Universidade de Michigan (EUA), sistematizaram uma classificação e avaliação das habilidades cognitivas mobilizadas no ambiente escolar. É o Questionário sobre Motivação e Estratégias para Aprendizagem (MSLQ, na sigla em inglês). 

Você encontra um manual para usar o MSLQ desenvolvido pela Fundação CECIERJ aqui.

Os cientistas separam as habilidades cognitivas em duas dimensões: 

  1. Motivação para aprendizagem
  2. Estratégias para aprendizagem (os famosos “macetes”) 

1. Motivação para aprendizagem

Orientação a objetivos intrínsecos: 

  • Valor atribuído à tarefa 
  • Controle de crenças sobre aprendizagem 

Orientação a objetivos extrínsecos: 

  • Autoeficácia para aprendizagem e desempenho
  • Ansiedade em relação às avaliações 

2. Estratégias de aprendizagem

  • Reprodução e elaboração 
  • Pensamento crítico 
  • Controle do tempo e do ambiente de aprendizagem
  • Aprendizado de pares
  • Organização
  • Autorregulação
  • Regulação do esforço
  • Procura de ajuda 

Todas as habilidades cognitivas listadas podem ser desenvolvidas. E elas são essenciais para uma aprendizagem efetiva. 

 

A relação entre metacognição e aprendizagem

Estudos realizados nos Estados Unidos na década de 1980 por Donna Ogle, professora da National-Louis Univesity, mostraram que estudantes com bom desempenho acadêmico tinham habilidades metacognitivas bem desenvolvidas, em especial na área de leitura. 

Mais do que dominar um conteúdo específico, ter as habilidades metacognitivas bem desenvolvidas significa saber como se aprende. Ou seja: saber como estudar. 

Essa competência é vital na formação de cidadãos no século 21. 

As vantagens de desenvolver a metacognição

A principal vantagem de estimular o desenvolvimento da metacognição dos seus estudantes é torná-los mais conscientes sobre como o pensamento deles funciona. 

Isso permite que eles criem mais estratégias para realizar tarefas e, assim, sejam mais eficientes na hora de solucionar problemas. 

Pense naquela lista de matemática que você passou para sua turma. Um estudante com boas habilidades metacognitivas consegue retomar pontos específicos da estratégia que usou para resolver a questão e pensar em diferentes jeitos de encontrar a solução, em vez de simplesmente focar na tentativa e erro até achar a resposta certa. 

Outro exemplo do dia a dia de uma sala de aula é a redação. O discente não vai apenas escrever no fluxo de pensamento as frases que vêm à cabeça. Ele vai planejar o argumento central e os pontos de apoio do texto.

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Como desenvolver a metacognição da sua turma

Você pode desenvolver a metacognição dos estudantes com tarefas educativas que estimulem a criação, uso e prática de diferentes estratégias metacognitivas. Essas tarefas fazem com que a criança aprenda a planejar, monitorar e avaliar os próprios processos de pensamento. 

Separamos 3 sugestões de tarefas educativas, que vamos chamar aqui de atividades metacognitivas, para você fazer com a sua turma. Elas são uma adaptação do material “Estimulando a metacognição em classe: estratégias para o ensino e aprendizagem nos anos iniciais”, criado pelos professores Mayara Souza Gomes e Jesus Cardoso Brabo como parte da pesquisa de mestrado apresentada na Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2020.

Confira 3 atividades metacognitivas para desenvolver a metacognição dos seus estudantes: 

1. Tabela KWHL

  • Indicado para: estudantes do 4º e 5º ano do ensino fundamental 
  • Habilidades desenvolvidas: compreensão da leitura, expressão de ideias em forma oral e escrita, respeito a opiniões diferentes. 
O QUE SEI (K) O QUE QUERO SABER (W) COMO DEVO FAZER (H) O QUE APRENDI (L)
       

Adaptada da tabela KWL da educadora Donna Ogle, essa atividade ajuda os estudantes a ativarem conhecimentos prévios sobre conteúdos específicos, além de ajudar a localizar informações durante a leitura de um texto ou o acompanhamento de um vídeo. 

KWHL é a sigla para: 

  • Know: o que sabe
  • What: o que se quer saber
  • How: como sabe essa informação
  • Learning: o que se aprendeu no final do processo. 

📝Como usar a tabela KWH

  1. Escolha o conteúdo que será trabalhado em sala de aula e leve materiais de apoio, como livros, jornais, cartazes ou vídeos do YouTube;
  2. Desenhe a tabela KWHL no quadro. Você vai preenchê-la durante a atividade; 
  3. Peça aos estudantes que desenhem a mesma tabela no caderno;
  4. Pergunte o que eles já sabem sobre o conteúdo e oriente que escrevam todas as informações na coluna K; 
  5. Escreva no quadro o que eles já sabem sobre o conteúdo, a partir das respostas mais frequentes da turma;
  6. Peça para os estudantes criarem perguntas sobre o que gostariam de saber sobre o conteúdo. Eles devem escrevê-las na coluna W; 
  7. Lance a pergunta “como faço para descobrir?” para a turma. Em seguida, oriente-os a escreverem as estratégias na coluna H;
  8. Distribua os materiais de apoio que você trouxe e leia um texto que trate sobre o conteúdo em voz alta. A leitura deve ser pausada para que toda a turma tenha tempo para refletir sobre as frases e fazer inferências. Estas devem ser anotadas na coluna L; 
  9. Explique para os estudantes por que essa atividade metacognitiva é importante. Ela ajuda a assimilar e a compreender melhor o que foi lido/ouvido. 

2. linha do tempo

  • Indicado para: estudantes do 3º ao 5º ano do ensino fundamental
  • Habilidades desenvolvidas: observação, atenção, interpretação de texto, estrutura e organização de ideias, expressão oral e escrita

A linha do tempo é uma representação clássica de acontecimentos históricos. Na escola, ela pode ser usada para analisar a ordem dos fatos em textos narrativos e dissertativos. 

A proposta da atividade é que cada estudante identifique os principais acontecimentos de um texto e os organize em uma linha do tempo. A ideia é que eles observem a estrutura, a organização das deias e os personagens principais. 

📝Como usar a linha do tempo

  1. Escolha um texto que descreva vários acontecimentos em ordem cronológica. Pode ser uma reportagem de jornal ou uma história de ficção;
  2. Dê uma cópia do texto para cada estudante e peça que leiam com atenção. Diga que eles precisam encontrar os acontecimentos mais importantes da história; 
  3. Enquanto eles leem, faça uma linha horizontal no quadro. É nela que você vai organizar cada ponto da linha do tempo;
  4. Pergunte à turma qual o tempo total que a linha do tempo deve ter. Podem ser horas, dias, meses ou anos, dependendo do texto que você passou para eles; 
  5. Divida a linha do tempo em partes iguais, de acordo com a escala definida pela turma;
  6. Pergunte para a turma quais são os fatos mais importantes do texto e escreva-os no quadro. Estimule-os a refletirem sobre as respostas. Por que escolheram determinado fato? Por que ele deve ser colocado nessa ordem? 
  7. Finalizada a linha do tempo, pergunte para os estudantes quais são os personagens principais e o que eles entenderam do texto;
  8. Por fim, pergunte o que teria acontecido caso um fato não tivesse aparecido no texto. O que teria acontecido no final da história?

3. Garrafa de ideias

  • Indicado para: estudantes do 3º ao 5º ano do ensino fundamental
  • Habilidades desenvolvidas: fazer analogias, antecipar ideias, fazer inferências e identificar palavras-chave. 

A última atividade metacognitiva que separamos tem como objetivo estimular o pensamento reflexivo sobre o nível de conhecimento sobre determinado conteúdo.  

Em uma garrafa, os estudantes colocam pedaços de papel com palavras-chave sobre o tema da aula. O papel do professor é mediar a conversa entre os colegas, que vão realizar inferências e construir os próprios argumentos. 

📝Como usar a garrafa de ideias

  1. Escolha uma temática do currículo e explique para a turma a dinâmica da atividade. Diga que cada estudante deve pensar em uma palavra relacionada ao assunto;
  2. Escreva em um pedaço de papel qual palavra você escolheria e a coloque na garrafa. Também escreva a palavra no quadro; 
  3. Dê uma tira de papel para cada estudante e peça para que façam o mesmo. Oriente que eles devem dobrar o papel e colocar em segredo na garrafa de ideias;
  4. Depois que todos depositaram suas palavras na garrafa, faça a sua aula expositiva sobre o tema. Você também pode fazer uma leitura coletiva de um texto relacionado ao conteúdo; 
  5. Terminada a explicação, abra a garrafa, leia cada uma das palavras escritas pela turma e passe-as a limpo no quadro. Durante esse processo, pergunte aos estudantes a relação de cada palavra com o conteúdo;
  6. Peça que reflitam sobre o que escreveram e deixe-os à vontade para falarem sobre o que pensaram. A palavra que escolheram tinha relação com o conteúdo da aula? Se não, por quê? 
  7. Termine a atividade com uma reflexão sobre a importância de fazer analogias e inferências, pois elas contribuem para uma melhor aprendizagem e compreensão.
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Olívia Baldissera

Por Olívia Baldissera

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Jornalista e historiadora. É analista de conteúdo do Blog do EAD.